A falsa promessa de viver com múltiplas faces

Por que a ideia de ser multifacetado é uma armadilha? Nosso texto analisa o peso de viver diferentes personas e defende a busca pela integridade em um mundo hiperconectado.

8/11/20252 min ler

Em um mundo onde a informação flui a uma velocidade aceleradíssima e as redes sociais nos colocam a um clique de distância de qualquer pessoa, parece um parado que muitas pessoas ainda acreditem na ideia de que é possível, e até necessário, viver diferentes vidas em diferentes ambientes. O conceito de ser uma pessoa no trabalho, outra com a família e ainda uma terceira com os amigos já foi romantizado, visto como um sinal de adaptabilidade e maturidade. No entanto, o que vemos hoje é o peso esmagador que essa fragmentação da identidade traz à nossa saúde mental e bem-estar.

A premissa de que somos “multifacetados” e que devemos expressar uma versão diferente de nós mesmos em cada contexto pode parecer sensata à primeira vista. Afinal, a dinâmica de uma reunião de trabalho é, de fato, diferente de um encontro em família. O problema não está em adaptar o nosso comportamento, mas sim em criar personagens distintos, com valores e reações próprias, para cada cenário. Essa tentativa de "encaixar" em moldes pré-definidos para agradar a cada público é uma receita para o esgotamento.

O que se tem descoberto é que essa prática de alternar entre "faces" não é sustentável a longo prazo. O esforço mental e emocional necessário para manter cada uma dessas personas é gigantesco e, com o tempo, a sobrecarga se manifesta. As consequências podem ser devastadoras, desde a perda de um senso real de quem somos até o desenvolvimento de sérias doenças psicossociais, como a ansiedade, a depressão e a síndrome de burnout.

Uma pesquisa do Instituto para a Qualidade e Eficiência no Cuidado à Saúde (IQWiG) com o título "Estresse crônico leva à ansiedade e depressão", na Alemanha, publicada na base de dados médica PubMed, revelou dados alarmantes. O estudo destaca que o estresse crônico, muitas vezes causado pela necessidade de performance e de se adaptar a diferentes expectativas sociais e profissionais, é um dos principais fatores de risco para transtornos de ansiedade e depressão. A constante vigilância sobre o próprio comportamento, a tentativa de esconder partes de quem somos e a dissonância entre o que sentimos e o que mostramos ao mundo geram um conflito interno que, ao longo do tempo, compromete nossa saúde. É como se estivéssemos sempre em alerta, com o sistema nervoso sobrecarregado pela luta para sustentar uma realidade que não é nossa.

A saída para essa encruzilhada não está em abdicar da nossa individualidade, mas sim em abraçar uma vida mais coesa e autêntica. Viver de forma plena não significa que não passaremos por dificuldades, pelo contrário, a vida é uma constante montanha-russa de aprendizados. Significa sim, que podemos ser nós mesmos em todos os momentos – seja de fortaleza, vulnerabilidade, divertidos e sérios – sem a necessidade de construir fachadas. É sobre encontrar um núcleo sólido de valores e princípios que nos guiam, independentemente do ambiente em que estamos.

Esse caminho exige coragem. Coragem para ser transparente, para admitir que não somos perfeitos e para deixar de lado a necessidade de aprovação constante. É um convite para viver de forma mais integrada, onde a nossa essência se mantém intacta, mesmo diante das adversidades. Ao invés de tentar ser multifacetado, podemos nos concentrar em ser íntegros. Ao fazer isso, o peso das máscaras cai e nos abrimos para uma vida com menos sobrecarga e mais liberdade para sermos, verdadeiramente, quem somos.